Fraudes, assédios, discriminações, abusos de poder. Com o passar do tempo, as investigações internas deixaram de ser reativas e ganharam espaço como instrumentos estratégicos de proteção da integridade, da reputação e das pessoas.
Por muitos anos, o foco esteve quase exclusivamente nos desvios financeiros e com razão. A edição 2024 do Report to the Nations, estudo global conduzido pela Association of Certified Fraud Examiners (ACFE), reforça o impacto financeiro da fraude ocupacional:
- O prejuízo médio por caso ultrapassa os US$ 145 mil.
- As organizações sem canal de denúncias perdem, em média, o dobro de recursos em comparação com as que possuem esse controle.
- Casos detectados por meio de denúncias internas são identificados até 18 meses antes do que aqueles descobertos por outros meios.
A pesquisa também destaca que empresas que adotam estruturas mínimas de integridade como canais de denúncia, investigações internas e cultura de transparência reduzem significativamente os danos causados por fraudes.
Mas a pergunta que precisa ser feita agora é outra:
Fraude é o único tema que merece investigação?
Definitivamente, não.
Nos últimos anos, testemunhamos uma virada nas organizações. Se antes o canal de denúncias era acionado por suspeitas de corrupção ou furto, hoje ele é utilizado principalmente para relatar condutas abusivas e comportamentais.
Situações como:
- Assédio moral e sexual, muitas vezes disfarçados sob a lógica da “pressão por resultados”;
- Discriminação racial, de gênero, idade ou orientação sexual, ainda presentes em práticas veladas e ambientes excludentes;
- Lideranças tóxicas, que atuam pelo medo, pela manipulação e pelo controle desmedido.
Esses relatos podem parecer subjetivos à primeira vista, mas têm impactos profundos na cultura da organização, na saúde mental das equipes e, consequentemente, nos resultados do negócio.
E essa preocupação já não é apenas moral ou reputacional, ela se tornou legal. A recente atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) do Ministério do Trabalho trouxe, de forma expressa, a obrigatoriedade de identificar, avaliar e controlar os riscos psicossociais no ambiente de trabalho. Isso inclui fatores como sobrecarga, assédio, humilhação e qualquer outro tipo de sofrimento mental causado pela organização ou pelas lideranças.
Além disso, leis como a Lei 14.831/2024, que instituiu a Política Nacional de Promoção da Saúde Mental, e decisões recentes da Justiça do Trabalho reforçam o entendimento de que cuidar da saúde mental dos colaboradores é responsabilidade objetiva das empresas.
Essas mudanças impactam diretamente:
- A forma como os canais de denúncia devem ser estruturados;
- A capacitação dos profissionais de compliance, ouvidoria e investigação;
- E a urgência de protocolos que considerem escuta ativa, empatia, sigilo e acolhimento.
Não basta mais saber conduzir uma entrevista ou analisar evidências. É preciso entender de pessoas, de sofrimento psíquico e de contexto organizacional.
O papel estratégico da investigação interna
Investigar, hoje, é muito mais do que apurar um fato. É demonstrar que a organização se importa. Que não tolera desvios. Que zela pela ética, pela justiça e pelas pessoas.
E, principalmente, que prefere enfrentar os problemas de frente — antes que eles virem crises públicas. Na prática, a investigação bem conduzida permite:
- Diagnosticar falhas de processo ou de liderança;
- Identificar pontos cegos no comportamento organizacional;
- Evitar reincidências e responsabilidades jurídicas;
- Reforçar a confiança dos colaboradores e stakeholders.
Mas há um alerta que não pode ser ignorado: em muitos casos, quando a empresa se omite ou conduz apurações internas sem independência e transparência, os colaboradores buscam outras saídas. É cada vez mais comum vermos profissionais levando suas denúncias para:
- Sindicatos e entidades de classe;
- O Ministério Público do Trabalho;
- Veículos tradicionais da imprensa;
- E, especialmente, para as redes sociais, onde o dano à reputação se espalha com força viral.
Tudo isso ocorre, na maioria das vezes, porque a empresa não possui um canal de denúncias oficial confiável, ou conduziu apurações sem a isenção necessária, muitas vezes desqualificando ou silenciando o relato. Nesse cenário, o custo da omissão é altíssimo. E a credibilidade, uma vez abalada, pode levar anos para ser reconstruída.
O que deve ser investigado?
Tudo aquilo que compromete a integridade, a confiança ou a cultura da empresa. Isso inclui tanto as fraudes tradicionais mapeadas pela ACFE como corrupção, desvios de ativos e manipulação contábil quanto as condutas abusivas, violências simbólicas e atitudes que afrontam os valores institucionais.
Não é exagero afirmar que o canal de denúncias e a investigação interna se tornaram dois dos principais termômetros da saúde organizacional.
Investigação é escolha, e não apenas resposta
Empresas que tratam denúncias com seriedade não apenas reduzem prejuízos. Elas constroem ambientes mais seguros, fortalecem sua reputação e aumentam sua capacidade de atrair e reter talentos. Se você deseja fortalecer a governança, proteger sua empresa e cuidar das pessoas, talvez seja hora de rever se o que está sendo feito hoje é suficiente para o amanhã que você quer construir.
Sobre o autor
Vinicius Cassimiro Carvalho é fundador da Kassy Consultoria, especialista em investigações corporativas, compliance e governança. Com mais de 17 anos de experiência na área, liderou projetos estratégicos em grandes organizações e hoje atua apoiando empresas a estruturarem respostas efetivas a crises de integridade e desafios operacionais. Também é fundador da Democratizando, palestrante e professor convidado em cursos e eventos sobre ética, conduta, privacidade e liderança com propósito.
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